Monte Santo: a fé na terra que inspirou Glauber Rocha
O sertanejo é antes de tudo um forte, disse Euclides da Cunha em Os Sertões, e no agreste baiano, a força do sertanejo vem da fé. Em meio a um cenário tipo “até o fim do mundo”, o santuário de Monte Santo, cerca de 500 km de Salvador, atrai devotos dos mais diversos pontos do estado que, todas as sextas-feiras santas, refazem a Via Sacra lembrando os últimos momentos da vida de Cristo.
Maria de Fátima Dannemann
(especial para o grupo Ser Natural)
Quatro horas da manhã. Barulhos esquisitos acordam o forasteiro em plena madrugada. São as matracas, instrumentos de percussão, que acordam a cidade. Sua musica esquisita significa que está na hora de subir o morro descoberto pelo Frei Apolônio de Todi, no século XVIII e refazer os passos de Jesus. Lá no alto, as imagens do Senhor Morto e de Maria esperam os fieis para descer em procissão umas cinco ou seis horas mais tarde. Monte Santo é uma cidade pequena, pobre, com o pior índice de analfabetismo do estado da Bahia, e sequer lembrada como centro de turismo. Somente na Semana Santa é que recebe os romeiros, muitos deles vindos de cidade próxima.
O cenário é exótico na região. O típico agreste baiano com muitas espécies de cactos, arbustos, algumas arvores maiores. Nesse cenário, famílias e mais famílias de lavradores lutam contra a seca para garantir seu pão de cada dia. Perdido na caatinga, o frei italiano achou semelhanças entre a Serra de Piquaraça, que passa nos limites da cidade, e o Calvário, onde aconteceu a crucificação. Desistiu de procurar a paróquia para a qual foi destinado, ficou por ai e construiu as 25 capelinhas representando as estações da via sacra, e três delas maiores dedicadas ao Arcanjo Miguel, Nossa Senhora das Dores e Santa Cruz, ponto final da caminhada no alto do morro.
Ervas e lendas
O interior parece não se contaminar por mordenismos high-tech e algumas lendas e tradições resistem às viradas de século. Uma delas é a de pegar velas acesas na capela do arcanjo Miguel e guardar em casa. Em noite de trovoada, acender essas velas será garantia que nenhum raio vai cair em casa. É isto o que fazem senhoras mais idosas, as que fazem a caminhada no seu próprio ritmo, ou as que simplesmente acreditam que “o que vale é a intenção” e simplesmente sobem apenas algumas estações esperando a procissão para descer com as imagens. Uma delas contou que “minha filha é agoniada. Quando roncava trovoada que cai os coriscos, ela ficava azuadinha. Me ensinaram para acender a vela de São Miguel. Eu acendi e ela nunca mais se agoniou”.
Outras pessoas catam ervas e enumeram seus poderes mágicos e/ou medicinais. Uma serve para “afugentar coisa ruim”, outra serve para “curar espinhela caída”, tem as que baixam feres, curam dores, etc. Todas crescem no morro por livre e espontânea vontade da natureza e a mulherada da região, especialmente as mais velhas, juram que esta é a prova, “que deus andou por aqui mesmo”. Pode ser ou não. O frei comparou o morro ao Calvário, mas o sofrimento lá é humano. Professores, há três anos, recebiam apenas R$20,00 de salário. Como os poucos professores graduados do local se filiaram à instituição da classe, o governo resolveu bloquear os salários. Há dois anos eles ainda brigavam na justiça para receber os atrasados, mas, surpreendentemente, continuavam dando aulas.
O transporte mais visto por lá ainda é o pau de arara, e é nas carrocerias de caminhões que crianças e adolescentes vão a escola, numa cortesia da prefeitura municipal. Claro, não há segurança, e os motoristas simplesmente voam pelas estradas muitas delas sem asfalto. Turismo, zero a esquerda. Não existe infra-estrutura. Mas, intelectuais e estrangeiros se sentem atraído pelas histórias que cercam o lugar, e numa dessas, Glauber Rocha fez de Monte Santo cenário de seus filmes. Uma estátua de Antônio Conselheiro lembra que o líder de Canudos andou por lá. E é tudo. A cidade gira em torno da espera pela sexta-feira da paixão, e depois que a procissão desce, tudo é permitido. A vida volta ao normal e jovens e adolescentes sentam-se nos bares para tomar uma cervejinha rompendo o aleluia por conta própria. “Subi ao morro, rezei, voltei. Paguei meus pecados e agora estou com lucro até o ano que vem”, dizem os rapazes, sinal de fé para quem “pena” o ano inteiro na terra do sol.
Poltergeist, enquanto não é tempo de procissão
Dizem que foi por causa da guerra de Canudos. Pode ser, pode não ser, mas o fato é que histórias fantásticas rondam a região entre Uauá, Canudos, Euclides da Cunha, Monte Santo, Massacará e outras cidades. São casos estranhos, como o de uma mulher que mora em uma cidade e ouve tudo o que conversa na outra. A história de um menino que teria desencadeado poltergeists no sítio dos pais, e rios secos que jorram sangue em Canudos.
Claro, se alguém perguntar, ninguém sabe, ninguém viu e tudo morre no “dizem, mas eu não sei não.
Um dos casos ganhou destaque a nível nacional ao ser apresentado no Fantástico, Rede Globo, e aconteceu em 96. Num povoado próximo a Euclides da Cunha, 38 km de Monte Santo e 470 km de Salvador, colchões foram queimados misteriosamente, visitantes receberam pedradas, e ovos apresentavam sangue em vez de clara e gema ao ser quebrado. O fotografo Walter Carvalho percebeu vultos ao entrar na casa assombrada, e a repórter recebeu um puxão no cabelo. Antes disso, o prefeito da cidade por pouco não foi atingido por pedras atingidas pelo “espírito”.
Segundo os moradores locais, era Romãozinho. O espírito de um menino mal que se manifesta, de tempos em tempos, em famílias esquisitas. “O tio é casado com a sobrinha, ai Romãozinho está castigando”, diziam os moradores próximos. Um garoto de 13 anos, filho do dono do sitio, seria o epicentro do problema (o médium que desencadearia o fenômeno) segundo os diversos espiritualistas, religiosos e parapsicólogos que foram pesquisar o fenômeno. A igreja católica não se manifestou. O padre disse na época que não havia necessidade de ir até lá, “é tudo imaginação”. Mas, o povo contra-atacou: “ele está é com medo”.
Friday, June 13, 2008
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