Thursday, August 21, 2008

A loira de Liverpool

Fatima Dannemann

 

 

             Liverpool amanheceu ensolarada naquele domingo. Pelo menos teoricamente, era manhã. Lá pelas sete horas, quase isto, um pouco menos. Mas, ainda havia noite cerrada. Um grupo descia para o café da manhã no mesmo hotel onde o Liverpool, time de football, amargava a derrota contra outro time por algo próximo a 3x2, e uma moça descia o elevador ainda em trajes de noite. Tinha os olhos visivelmente vermelhos. Teria chorado?

          Ela parecia decepcionada e não parava de tentar uma ligação telefônica de todos os aparelhos disponíveis no local.

         _ Será que ela caiu na mão dos hooligans?, cochichavam os amigos que tomavam o café  boquiabertos de ver que a noite do Outono Inglês pode durar bem mais que um amanhecer tardio. E os resultados tanto poderiam ser deecpcionantes, como no caso da moça chorosa e que, alias, vestia uma jaqueta prateada, ou supreendentes, como no caso de duas morenas frajolas que desciam o elevador às gargalhadas justamente quando o grupo que acordava provava as toasts  (torradas) com raspberry  jam (a velha e boa geleia de framboesa, diga-se de passagem) de seu breakfast.

          Para aquele grupo, a moçoila de jaqueta prateada, nervosa, doida para conseguir uma ligação, possível presa dos hooligans ou quase isto, parecia um personagem de filme de suspense.

           _ Seria a vítima ou a criminosa?, especulavam os comensais à mesa.

          Era loira como as protagonistas dos filmes de Hitchcock. Estava visivelmente em crise.

         _ Foi por isso que Liverpool inspirou os Beatles. Por causa dessa vida desvairada.

          Na porta da legendária cavern club, a boate onde os Beatles começaram sua carreira e que nem é mais a original, mas uma reconstrução mais que perfeita, garrafas quebradas, latas amassadas, copos plásticos, camisinhas usadas e outras coisas mais.

          _ Parece a Praça Castro Alves depois do carnaval.

          _ Cansada?

          _  Não, decadente e degradante, apenas com o lixo da festa e mais nada.

          Liverpool inspira música não por seus muros de tijolo vermelho ou por suas casas idênticas, mas por seus ares de submundo.

            O lixo no ponto histórico da cidade portuária inglesa parecendo o lixo legitimamente baiano. A moça loira da jaqueta prateada chorando as dores de amores fazem jus aos Beatles. A vida é louca como uma canção piscodélica e é sempre a mesma coisa, não importa o local. Acorda-se para ver o sol nascer em Liverpool, às 7 horas'. Não, não tem sol. É noite cerrada. Aqui tem sol. Mas ninguém tem tempo de reparar nesses detalhes. A moça loira chora ao telefone. As duas moças morenas riem frenéticas. Enquanto isto, outros tomam o café da manhã. E a vida, como um show, must go on and on and on...

 

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