Wednesday, April 09, 2008

E ainda é pouco

Fatima Dannemann

Bochicho da semana nos meios jornalísticos: Ziraldo e Jaguar terão direito, cada um, a R$1 milhão de indenização por danos sofridos no período da ditadura quando estiveram a frente do jornal Pasquim. O que deveria ter sido visto como uma conquista para o jornalismo brasileiro, acabou recebendo críticas por parte dos que se esqueceram do significado do Pasquim para o Brasil da década de 60, achando que a verba deveria ser destinada a um dos programas assistenciais do pais (que não chegam pra resolver problemas crônicos de analfabetismo, fome, etc). Serão ao todo R$ 11 milhões a serem distribuidos entre 20 jornalistas que tiveram problemas com as forças repressoras e os ex-diretores do Pasquim recebem a maior parte além de uma pensão vitalícia de cerca de R$4 mil.

Coitadinhos à parte - não é não pagar a indenização aos diretores do Pasquim que vai deixar ninguem mais letrado ou mais saudável nesse pais - é bom lembrar o que o Pasquim significou para a própria história do jornalismo brasileiro. Hoje, pode até haver outros modelos, formatos e prioridades, mas o jornal representou muito mais do que um simples meio de fazer oposição ao regime militar de uma forma engraçada, e ferozmente crítica. O Pasquim foi o retrato de um Brasil que não volta mais: um país culto, que assistia a filmes franceses, discutia psicanálise e filosofia nas praias, tinha uma moda brasileira e made in Rio, em que se contavam piadas e riam-se as gargalhadas sem ter que obedecer a “padrões” ou a “códigos” estabelecidos deus-sabe-por-quem até porque já existia uma censura oficial a ser burlada.

Foi um jornal que deu certo numa época em que nada dava certo. Millor Fernandes, colaborador e depois diretor do jornal, saira de uma experiencia fracassada com a revista Pif Paf antes de embarcar no Pasquim. Nego ria, debochava não acreditava, mas não só o jornal deu certo como deu cria (o Planeta Diário, hoje transformado em Casseta e Planeta). A redação era em Ipanema, as entrevistas feitas nos bares e envolviam pessoas das mais diversas vertentes como o colunista (e mito) Ibrahim Sued e a atriz (e mito) Leila Diniz.

Bastavam detalhes como esses para lembrar que a indenização a ser recebida ainda é pouca para o que o jornal representou. Em novembro de 1970, 9 integrantes da equipe foram presos Sergio Cabral, Luis Carlos Maciel, Tarso de Castro, Fortuna, Paulo Garcez, Paulo Francis, o funcionário Haroldo além de Jaguar e Ziraldo. Foram dois meses na cadeia, mas o Pasquim continuou circulando normalmente por conta do trabalho de Henfil, Millor Fernandes e mais alguns colaboradores. Muitas das edições foram apreendidas nas bancas e por conta da censura em 1971 a equipe devia entre 200mil e 400mil dólares. Foi quando Tarso de Castro foi afastado e Millor Fernandes foi sanear o jornal o que conseguiu em 1975.

A partir do final dos anos 70, começo dos 80, o Pasquim se coligou a partidos políticos. Ziraldo perdeu suas cotas numa aposta com Jaguar. Ele não acreditava que Brizola fosse eleito. Perdeu a aposta e o jornal que ficou apenas com Jaguar e já não era a mesma coisa. Para sair, precisava ser encartado em outros jornais. Ficou político e chato. No final dos anos 80 foi vendido e em 91 deixou de circular.

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Leila Diniz, Ibrahim Sued e outras lendas

As peruas e patricinhas que ficam o dia inteiro na academia e no salão malhando, fazendo chapinha, regimes e tratamentos para parecer - em tudo, especialmente na falta de opiniões próprias - com a Boneca Barbie não têm a menor noção do que Leila Diniz representou e tudo o que ela passou por conta de uma simples entrevista a um jornal. Simples, não. Uma entrevista feita por algumas das principais cabeças pensantes do país, num bar de um bairro que era lenda na época e até deu música, Ipanema.

A edição que teve Leila na Capa foi uma das principais do Pasquim, cerca de 120 mil exemplares vendidos. Na conversa com a turma do tabloide, Leila soltou não somente as frangas como o verbo. Nada menos do que 72 palavrões foram substituidos por astericos. Relato de sua vida sexual tomou conta das páginas do Pasquim e desgostou a Rede Globo que simplesmente demitiu a atriz, que na época atuava em novelas. Leila morreu em 72. Muito antes da intolerância e dos exageros cometidos em nome do “politicamente correto”.

Mas, tem muito mais. Outro entrevistado famoso do jornal foi Ibrahim Sued. Alguem que revolucionou o colunismo social porque não ficava só elogiando vestido ou falando de fotos. Inventou termos como “pantera”, “geração pão com cocada”, “a demain que eu vou em frente”, e até dava toques sobre quem tinha brigado com quem (”não convidem para a mesma mesa…”)

Nas livrarias, há uma edição especial do Pasquim encardenada para quem quiser rever o jornal ou quem quiser conhece-lo melhor. Outros colaboradores também foram ícones do Brasil dos anos 60 (mais culto e mais charmoso… diga-se de passagem) Odete lara - ex-musa do Cinema Novo e hoje budista, Jô Soares, Vinicius de Morais, Glauber Rocha além de Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Para quem não sabe, Jaguar criou mais de 20 mil cartuns e sofreu atentado a bomba no tempo da ditadura. Foi ele, também, quem publicou o livro “o que é isso companheiro” de Fernando Gabeira. Ziraldo, entre outras coisas, criou nos anos 60 a inesquecível Turma do Pererê, quadrinhos 100 por cento made in Brasil, e mil outros personagens famosos entre os quais O Menino Maluquinho.

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