Fatima Dannemann
O sábado esquenta um julho gelado. Coisa rara numa cidade onde o inverno era morno. Antes, apenas chovia e era tudo. Hoje, faz até dias bonitos mas é mais. As conversas já não giram sobre o tempo porque o calor ou frio que mais importa hoje são os das emoções. O sol brilha mas já não há esperança no coração das mães que perderam seus filhos entre balas que encontraram corações inocentes. Pipocam chacinas e os homens do poder disfarçam prendendo deliqüentes ricos. E o povo aproveita a lei seca e volta para casa mais cedo. Quem pode aproveita e se tranca em verdadeiras cidadelas fortificadas com equipamentos de lazer a quem a publicidade dá o nome de condomínios fechados mas que é um jeito de se viver um pouco mais e melhor.
Cadê os invernos de outros tempos? Mudou tudo. Até a história de romances consagrados que viram novelas nem tão doces em horário água-com-açúcar. Os donos de bares se revoltam contra a lei seca. As mães não precisam dizer "volte para casa mais cedo, meu filho" até porque a noite, depois de certa hora, assusta. Engarrafamentos assombram como se o Coringa do mais novo Batman fosse aparecer e detonar todo mundo ali mesmo. Mas são apenas as obras "congeladas" por quatro anos que voltam na onda da próxima estação. Isso tudo cabe numa manhã de ex-inverno. Mas não é a primavera que se anuncia mais cedo. É o aquecimento global. Mas só o tempo e os ânimos esquentam.
Dá no noticiário: em tom zangado um hoteleiro do sul do pais reclama da falta de turistas. Não tem frio. Ninguém vai lá. Dá no noticiário: em tom zangado um hoteleiro do norte do país reclama da falta de turista. Não tem praia. Ninguém vai lá. Não tem como ficar no meio: o Rio de Janeiro continua lindo, mas só nas novelas. Fora disso? Apenas uma guerra contra o crime que vai matando criancinhas. Dá no noticiário: o Presidente viaja e leva a Globo num avião da FAB. Desconserto, desmentido, desmandos e soltam-se os meliantes de gravata por "falta de provas". A guerra está criada. No alvo o Judiciário: e como ter um estado de direito sem juizes livres para fazer cumprir a lei? Ninguém nota. Em cada coração há um guarda policiando pensamentos. Principalmente os alheios. A censura ronda os meios de comunicação como um fantasma. A censura ronda as conversas de "amigos" que fazem ameaças veladas: "cuidado comigo", cacareja uma perua para um desafeto. Pode dar policia. Mas e a justiça?
Nas sinaleiras pipocam performances de malabaristas e de meliantes. Moças bonitinhas distribuem folhetos que anunciam o paraíso: morar com segurança e sem precisar sair de casa em prédios misto de clubes, escritório, shopping center. Mas e a vida lá fora? Alguém sente falta da imensidão de um deserto onde só há o vazio das dunas, o céu, a lua, muitas estrelas e raramente algumas poucas nuvens. E dá no noticiário: um hoteleiro no deserto dessa vez elogia. As pessoas vão para lá porque não tem frio, tem piscina, ah, e tem segurança. Dá para andar nas ruas até de noite. Sem bebidas, mas em terra de lei seca, quem liga?
E o sábado azul esquenta um julho gelado. Uma brisa morna sopra os maus pensamentos e as más lembranças para um lugar distante chamado esquecimento. Não, não dá para apagar certas marcas da vida. Principalmente com as noticias marteladas na televisão onde hoteleiros nem satisfeitos, nem zangados anunciam promoções para o próximo feriado. Mas dá para olhar para frente. E algumas pessoas antecipam o ano novo e pensam no amanhã. Não, não dá para parar. Nem engarrafamentos com medo do coringa. Nem apenas lembrando a vida numa manhã de sábado. O Oriente anda em alta. China, Japão, Vietnã, Tailândia... No roteiro dos turistas, no destino de esportistas, nos concursos de miss. Ou simplesmente porque o sol nasce no Leste. E a vida sempre recomeça. Todas as manhãs.
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