Sunday, September 25, 2005

Uma guerra mais do que fria



Por Fatima Dannemann



Neste verão não vou tomar um gole de cerveja. Garanto. Em vez disso, vou me esbaldar nas caipiroscas. Até porque se os garçons me olham com cara esquisita quando eu peço uma cerveja e um sprite e um copo sem gelo para misturar os dois, nenhum deles faz cara feia quando eu peço morangorosca, kiwirosca, cajurosca. Muito pelo contrário. Ainda dizem “é pra já” e perguntam se eu quero açúcar e adoçante. Claro que, considerando-se o teor de vitamina de algumas frutas, como o caju, a vodka deve ter propriedades medicinais. Então, ponto para a bebida que saiu do frio. Mas tem muito mais que isso em minha decisão.

A culpa de eu não tomar cerveja nem é dos fabricantes de vodka (russa e polonesa, de preferência, mas se não tiver qualquer uma serve. Vou misturar com as frutas, mesmo...). A culpa é da própria cerveja. É só conferir os anúncios. Cerveja descendo quadrada, donde se conclui que eu posso me engasgar. Cerveja velha, que deve ter cheiro e gosto de mofo, e eu sou alérgica. Cerveja que transforma os amigos em Ivete Sangalo (se ainda fosse Thiago Lacerda eu até perdoava). Cerveja que faz velhinhas correrem alucinadas atrás de você por avenidas movimentadas. E ainda tinha aquela do ano passado que todo mundo levantava os braços o que devia transformar a praia num festival de suvaqueiras cheias de desodorante vencidos e me faria vomitar. Tou fora.

Tomando caipirosca não corro o risco de me preocupar com detalhes como esses que fazem a velha bebida da terra de meus ancestrais algo meio parecido com veneno. Enquanto os marqueteiros insistirem nesse tipo de propaganda, tomo vodka que aliás acaba sendo mais versátil pois pode ser misturada com qualquer fruta e os bares até me dão opção de escolha. Com a cerveja, não.

Nada mais esquisito do que ver umas quatro ou cinco marcas de cerveja se engalfinhando por uma preferência que o consumidor nem tem direito de ter, já que alegando exclusividade, os bares vendem apenas uma marca. E é só conferir. Entramos num bar com o logotipo da cerveja A, pedimos a cerveja B ou C e ouvimos do garçon:

“va tomar no bar ao lado”. Ah, e quase em tom de xingamento.

O pior é que nesses tempos de presidente Lula Molusco, com o dólar nas alturas, nem posso pensar em cervejas importadas. Heineken, Guiness, Budweiser? Só quando eu viajo e olhe lá. E ai eu lembro um detalhe: lá fora, até em botecos de beira de estrada de paises pobres como a Irlanda, você tem umas dez marcas de cerveja e montes de tipos diferentes para escolher: preta, clara, encorpada, leve, doce, azeda, pra bebum, pra perua, e na Alemanha basta pedir radler e já vem a cerveja misturada com sprite. É chique e nenhum garçon me olha como se eu fosse o próprio ET.

Não... A culpa de eu preferir vodka não é minha. Mas dos marqueteiros, e do presidente que colocou o dólar nas alturas. Ah, e dos médicos. Sim, dos médicos. Reclamam tanto do cigarro e esquecem de dizer que cerveja faz mal: desce quadrado, cheira a mofo e é álcool no que deve viciar. E mesmo que não vicia provoca guerra. Uma guerra idiota mas uma guerra. Sem mísseis. Mas com vitimas, o consumidor que fica no centro de um bombardeio e nem tem direito de escolher nada, nem mesmo de misturar sua cerveja co sprite, sem parecer esquisito.
size=3>Através da janela da Lia

Fatima Dannemann

Vejo o
por do sol
da janela do oitavo andar
e peço licença poética
para falar
sobre
o concreto poético
da esquina mais próxima
e periquitos
gritam
sem licença
e o verde rompe o cinza
por que verde é a cor
de
algumas poesias
e verde é o tom da camisa do poeta
e eu não peço
licença
para soltar meu sorriso
e rio para periquitos que
voam
indiferentes
diante de janelas de blindex
e a vida é
concreta
como a fagulha de um isqueiro
que acende um cigarro
ou um
incenso
e a vida são horas de papo
sobre as idas e vindas
de vidas que
se cruzam com as vidas.
E eu peço licença ao poeta
e me dou uma pausa para
o café
e peço licença ao sol que se põe
para esperar a lua que chega de
mansinho...
E dá vontade de ninar os periquitos
de por os passaros e todo
o verde
para dormir
porque eu também estou com sono...
E faço da minha
voz
um poema
ou ladainha...
Que digam alô a beleza
e venha a noite
depois que o sol se for