Wednesday, July 25, 2007

A LOIRA DE LIVERPOOL

Fatima Dannemann *


Liverpool amanheceu ensolarada naquele domingo. Pelo menos teoricamente, era manhã. Lá pelas sete horas, quase isto, um pouco menos. Mas, ainda havia noite cerrada. Um grupo descia para o café da manhã no mesmo hotel onde o Liverpool, time de football, amargava a derrota contra outro time por algo próximo a 3x2, e uma moça descia o elevador ainda em trajes de noite. Tinha os olhos visivelmente vermelhos. Teria chorado?

Ela parecia decepcionada e não parava de tentar uma ligação telefônica de todos os aparelhos disponíveis no local.

— Será que ela caiu na mão dos hooligans?, cochichavam os amigos que tomavam o café boquiabertos de ver que a noite do Outono Inglês pode durar bem mais que um amanhecer tardio. E os resultados tanto poderiam ser deecpcionantes, como no caso da moça chorosa e que, alias, vestia uma jaqueta prateada, ou supreendentes, como no caso de duas morenas frajolas que desciam o elevador às gargalhadas justamente quando o grupo que acordava provava as toasts (torradas) com raspberry jam (a velha e boa geleia de framboesa, diga-se de passagem) de seu breakfast.

Para aquele grupo, a moçoila de jaqueta prateada, nervosa, doida para conseguir uma ligação, possível presa dos hooligans ou quase isto, parecia um personagem de filme de suspense.

— Seria a vítima ou a criminosa?, especulavam os comensais à mesa.

Era loira como as protagonistas dos filmes de Hitchcock. Estava visivelmente em crise.

— Foi por isso que Liverpool inspirou os Beatles. Por causa dessa vida desvairada.

Na porta da legendária cavern club, a boate onde os Beatles começaram sua carreira e que nem é mais a original, mas uma reconstrução mais que perfeita, garrafas quebradas, latas amassadas, copos plásticos, camisinhas usadas e outras coisas mais.

— Parece a Praça Castro Alves depois do carnaval.
— Cansada?
— Não, decadente e degradante, apenas com o lixo da festa e mais nada.

Liverpool inspira música não por seus muros de tijolo vermelho ou por suas casas idênticas, mas por seus ares de submundo.

O lixo no ponto histórico da cidade portuária inglesa parecendo o lixo legitimamente baiano. A moça loira da jaqueta prateada chorando as dores de amores fazem jus aos Beatles. A vida é louca como uma canção piscodélica e é sempre a mesma coisa, não importa o local. Acorda-se para ver o sol nascer em Liverpool, às 7 horas'. Não, não tem sol. É noite cerrada. Aqui tem sol. Mas ninguém tem tempo de reparar nesses detalhes. A moça loira chora ao telefone. As duas moças morenas riem frenéticas. Enquanto isto, outros tomam o café da manhã. E a vida, como um show, must go on and on and on...

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