Saturday, March 08, 2008

QUEM FOI SEM NUNCA TER SIDO...
Fatima Dannemann




Lembro do dia em que Carol morreu. Nunca vi tantas moções de pesar na net. Quando descobriu-se que a defunta não se chamava Carol nem era uma adolescente estudante de direito com a perna (eternamente, aliás) quebrada e engessada, mas Aline, uma "coroa" de mais de 40 anos, tão obesa e doente que não saia de casa, ninguém retirou as condolências e a chamou de falsária. Pelo contrário, em um site de altar virtual as chamas das velas animadas ardeu mais do que nunca. Todo mundo perdoou a pobre coitada que inventou toda essa mentira apenas porque "era doente, sem esperança na vida". E a pior doença de Carol era a mentira e a maldade, a prepotência com que tratava pessoas que não formatam mensagens "me recuso a ler mensagem sem figura ou música". Mas foi um tal de perdoar Carol... E vi perdoando a defunta gente que meses antes me condenou a fogueira quando denunciei o roubo do meu poema Bolero. Eu, mesmo coberta de razão, era a "má, demônia, desgraçada que estava reclamando só porque um coitadinho que não sabia escrever tirou meu nome do poema e colocou o de Drummond". Pois é. E além de condenada eu ainda ouvi de amigos do ladrão "poxa, você é egoísta, tem mais de mil poemas e reclama de unzinho".

Mas corta... Falar da net é fácil pois na rede acontece de tudo: suicidas voltam do mundo dos mortos, bruxas posam de médicas e tratam das tias de amigas virtuais, beldades namoram o bebum ancorado na praia mais próxima. Tudo acaba sendo mais ou menos permitido só porque o público aproveita para soltar seus diabos na rede. Não só imitam a vida como vão muito mais além de todos os limites. A falta de vergonha chegou a tal ponto que foi preciso criar delegacias na rede. Conselhos de ética não bastam até porque tem gente que nem sabe o que é isso. E eu até penso em deixar o jornalismo, pedir matricula especial pra direito e virar advogada especializada em Internet (mas agindo aqui fora, claro, porque não acredito em cadeia virtual).

Prefiro falar do mundo real. Como a figura do mal acaba sendo confundida com sofrimento. Vai ver que é porque é sofrimento que as pessoas más atraem não só para suas vítimas, mas para si próprias. Uma vez, quebrei o maior pau no jornal: mataram um bandido perigoso, o Toinho. Pois colocaram o cara como se fosse vítima da sociedade mesmo ele tendo invadido uma casa, estuprado e matado três adolescentes, matado o pai delas e feito a mãe e avó se suicidarem, para roubar uma merreca (era casa de veraneio, sem nada de maior valor dentro dela). Eu me zanguei. Outra vez, só faltaram me bater quando eu falei que tanto faz roubar um banco como um cotonete, o delito é o mesmo, e quando falei que mentiras não me interessam simplesmente porque não podem ser sinceras. É bem assim. Bastou merendar fora do recreio e vira herói. Osama Bin Laden ganhou fãs em todo o mundo (eu assumo que sou uma delas), Leonardo Pareja, um criminoso, seqüestrador e assaltante, que tripudiou e fez gato e sapato da policia de quatro ou cinco estados, foi enterrado com honras de herói.

E a velha mania de achar que a bota pode roer o rato e quem anda na contra-mão é que está com a razão. Não é bem assim. Maldade é maldade e em minha cabeça tomar partido dela só faz a pessoa ser tão ruim quanto o outro. Mesmo que seja a titulo de "dar o troco" como tem acontecido nas novelas.

Os valores podem estar temporariamente trocados. Os maus podem fazer seu teatro, posar de vitima, inventar internamentos hospitalares o saúde frágil. Desculpas que não convencem os mais espertos que já começam a dar o troco. Ah, não troco em forma de surras violentas como a que Suzana Vieira deu em Renata Sorrah numa novela. Pagar o mal com o mal é tão ruim quanto apenas ser vítima desse mal. Mas troco em atitudes. Deixando de votar em políticos que não agem de forma limpa, que não são nenhuma flor de pureza. E deixando de dar Ibope as falsas boas da net. Pois é, por mais que haja quem ainda aplauda o lado ruim da vida, a idéia de que só o bem é seguro vai começando a gerar suas primeiras sementes. Quem sabe um dia e...

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