Saturday, July 26, 2008

crônica - Saudade de outros invernos

 

Fatima Dannemann

 

             O sábado esquenta um julho gelado. Coisa rara numa cidade onde o inverno era morno. Antes, apenas chovia e era tudo. Hoje, faz até dias bonitos mas é mais. As conversas já não giram  sobre o tempo porque o calor ou frio que mais importa hoje são os das emoções. O sol brilha mas já não há esperança no coração das mães que perderam seus filhos entre balas que encontraram corações inocentes. Pipocam chacinas e os homens do poder disfarçam prendendo deliqüentes ricos. E o povo aproveita a lei seca e volta para casa mais cedo. Quem pode aproveita e se tranca em verdadeiras cidadelas fortificadas com equipamentos de lazer a quem a publicidade dá o nome de condomínios fechados mas que é um jeito de se viver um pouco mais – e melhor.

               Cadê os invernos de outros tempos? Mudou tudo. Até a história de romances consagrados que viram novelas nem tão doces em horário água-com-açúcar. Os donos de bares se revoltam contra a lei seca. As mães não precisam dizer "volte para casa mais cedo, meu filho" até porque a noite, depois de certa hora, assusta. Engarrafamentos assombram como se o Coringa do mais novo Batman fosse aparecer e detonar todo mundo ali mesmo. Mas são apenas as obras "congeladas" por quatro anos que voltam na onda da próxima estação. Isso tudo cabe numa manhã de ex-inverno. Mas não é a primavera que se anuncia mais cedo. É o aquecimento global. Mas só o tempo e os ânimos esquentam.

               Dá no noticiário: em tom zangado um hoteleiro do sul do pais reclama da falta de turistas. Não tem frio. Ninguém vai lá. Dá no noticiário: em tom zangado um hoteleiro do norte do país reclama da falta de turista. Não tem praia. Ninguém vai lá. Não tem como ficar no meio: o Rio de Janeiro continua lindo, mas só nas novelas. Fora disso? Apenas uma guerra contra o crime que vai matando criancinhas. Dá no noticiário:  o Presidente viaja e leva a Globo num avião da FAB. Desconserto, desmentido, desmandos e soltam-se os meliantes de gravata por "falta de provas". A guerra está criada. No alvo o Judiciário: e como ter um estado de direito sem juizes livres para fazer cumprir a lei? Ninguém nota. Em cada coração há um guarda policiando pensamentos. Principalmente os alheios. A censura ronda os meios de comunicação como um fantasma. A censura ronda as conversas de "amigos" que fazem ameaças veladas: "cuidado comigo", cacareja uma perua para um desafeto. Pode dar policia. Mas e a justiça?

              Nas sinaleiras pipocam performances de malabaristas e de meliantes. Moças bonitinhas distribuem folhetos que anunciam o paraíso: morar com segurança e sem precisar sair de casa em prédios misto de clubes, escritório, shopping center. Mas e a vida lá fora? Alguém sente falta da imensidão de um deserto onde só há o vazio das dunas, o céu, a lua, muitas estrelas e – raramente – algumas poucas nuvens. E dá no noticiário: um hoteleiro no deserto dessa vez elogia. As pessoas vão para lá porque não tem frio, tem piscina, ah, e tem segurança. Dá para andar nas ruas até de noite. Sem bebidas, mas em terra de lei seca, quem liga?

              E o sábado azul esquenta um julho gelado. Uma brisa morna sopra os maus pensamentos e as más lembranças para um lugar distante chamado esquecimento. Não, não dá para apagar certas marcas da vida. Principalmente com as noticias marteladas na televisão onde hoteleiros – nem satisfeitos, nem zangados – anunciam promoções para o próximo feriado. Mas dá para olhar para frente. E algumas pessoas antecipam o ano novo e pensam no amanhã. Não, não dá para parar. Nem engarrafamentos com medo do coringa. Nem apenas lembrando a vida numa manhã de sábado. O Oriente anda em alta. China, Japão, Vietnã, Tailândia... No roteiro dos turistas, no destino de esportistas, nos concursos de miss. Ou simplesmente porque o sol nasce no Leste. E a vida sempre recomeça. Todas as manhãs.

 

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