Thursday, August 28, 2008

Eu quase não vi o País de Gales

Fatima Dannemann

 

               Eu quase não vi o País de Gales. Na ida, passei meio rápido por Cardiff, na volta, dormia meio trôpega. Mal deu tempo de parar em Snowdon e comprar dois discos celtas. Para conciliar as cervejas do pub com horas de sossego é preciso algo mais lento. Eu vi lagos, castelos, ruínas, um mar que me lembrou aventuras medievais. Bonito. Tudo lindo e mágico como todas as Ilhas – britânicas ou não – cercadas de água por todos os lados e povoados por histórias, lendas, pelo imaginário e pelo real. Ali era assim, pelo pouco que eu vi. Bonito. Calmo, ou quase isso. Vi Cardiff à noite e de manhã meio cedo. E na volta passei por lugares nunca imaginados. Mas vi muito pouco.

                Cardiff é bonita, segura e o povo de lá simpático quando dizemos please e eles abrem portas e escancaram janelas. Ninguém consegue pronunciar aqueles nomes enormes em letrinhas bonitinhas no idioma extra-oficial do país, gaélico. Eu nem tento. Preferi sentar num pub e pedir "a pint" porque nem precisa completar de que. O copão de cerveja vem meio quente, mas nem precisa ser gelado. O país de Gales, no final do outono, é bem frio. Frio, mas verde, nos vales e fora deles, até mesmo no jardim do antigo Castelo.

                 E o primeiro castelo medieval quase em ruínas ninguém esquece. Eu não esqueço o Castelo de Cardiff – que vi pouco. Ia jantar lá, mas alguém do grupo disse que não haveria jantar. Ninguém foi. Acabei comendo um spaghetti completamente italiano sem qualquer vestígio de sotaque celta. Longe do castelo, mas na rua principal das baladas galesas, cheias de pub, restaurantes e monte de gente andando a pé, pois lá, andar a pé é seguro. Ninguém incomoda ninguém.

                 A imagem do castelo vira monte de fotografias. Eu faço pose com suéter americano, subo escadas, deixo a imaginação voar e fico pensando: como seria o castelo nos tempos em que o rei da Inglaterra garantiu a autonomia local dando seu filho mais velho como príncipe local. O castelo é tão grande, que de fora ninguém imagina. E sua imagem é tão imponente que só depois eu lembro que este não foi meu primeiro castelo medieval. O de Montreux veio antes.

                  Mas a travessia de Fishguard para a Irlanda, sim, foi o primeiro cruzeiro maiorzinho do que um passeio de escuna. Esse marca. Principalmente porque o mar joga e o barco sobe, desce e cai em meio às ondas. Me senti Isolda levada por Tristão num caminho de volta, mas num barco transadinho com freeshop onde comprei monte de perfumes "made in France", fast-food onde tracei um belo combinado de hambúrguer (naqueles tempos eu ainda comia hambúrguer) com batatas fritas regada a coca-cola, naturalmente. Isolda nunca ousaria. Mas eu também não beberia filtros mágicos...

                  Gales ficou para trás. Não sei quando volto por lá. Mas me sinto "em falta" com o país, que os ingleses esnobam achando meio "caipira" (mas quem os ingleses não esnobam?). Lembro de Cardiff, o porto remodelado com belos prédios residenciais, comerciais, área de lazer e o porto mesmo transferido para outro lugar, que nem aconteceu em Liverpool. Lembro de Snodownia, um belo parque com lagos, altas montanhas e um clima que lembra histórias de cavaleiros e dragões. Saltar na estrada em meio ao frio para uma foto. Aventura. Cerveja na lojinha dos discos celtas. Sanduíche de ovo no meio do caminho.

                 E na volta o caminho é diferente. Vamos pulando de ilha em ilha em meio a fazendas lotadas de ovelhinhas com a poupança suja de azul ou rosa (a marca do carneiro que será o pai dos prováveis futuros filhotes), em meio a menires, templos, castelos, muros de pedras que nem os da fazenda de E o vento levou... Ah, e o mar. Meio bêbada de sono e cerveja, lembro de abrir os olhos e ver praia aqui e ali, o que, em ilha, não é nenhuma novidade. O sorriso das pessoas marcou. O azul dos olhos e o cabelo loiro das crianças me fez lembrar Roberta, minha sobrinha. A boa vontade em agradar as pessoas me fez lembrar Maysa, minha prima. Eu quase não vi o país de Gales. Passei por lá muito rápido. Mas o que vi ficou na lembrança. E isso basta.

 

Salvador, 12.04.2007

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