Tuesday, February 01, 2011

Primeira Pessoa: Certo dia, na redação do Tapinha

Quando eu era estudante, adorava escrever quadrinhos. Meus cadernos tinham historinhas no alto da página como uma forma de não arrancar as páginas. Tinha poucos leitores. Dois ou tres, contando comigo. Pois quando fui trabalhar na Tribuna da Bahia, já formada, continuei com a mania. Além de meus personagens habituais, Jarascavel, Perereca, Jabuti, criei outros. Estes eram mais do que "levemente desinspirados" na redação. Estavam lá retratados, alem de mim mesma, claro, os colegas. Não mostrava a ninguem, ou a quase ninguem, Angela Peroba (onde será que ela anda) lia e se acabava de dar risada.




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O titulo era invariavelmente o mesmo, "certo dia, na redação do Tapinha". Isso porque eu dizia que no dia em que eu tivesse um jornal, sairia ao meio dia. Meus argumentos. A pessoa acorda de manhã e já tomava a "porrada matutina" nos jornais. Saindo mais tarde, o impacto seria de apenas um tapinha, aquele que dizem que não doi. Mas doi, sim. Só que menos. Mas isso foram nos idos dos anos 80. O mundo era outro. A ditadura já sufocava menos, os exilados voltaram, começamos a gritar Diretas Já . As diretas nem vieram logo. Vi Tancredo morrer, o cruzeiro virar cruzado, depois cruzeiro, depois cruzado novo dependia do Plano da vez. Meus personagens mudavam de acordo com o vai e vem da redação. Leleonel era tão grande que só aparecia as pernas nas historinhas. Dorival Penacho era um índio. Criei o personagem inspirada num apelido que Marquinho Moreira colocou em Derval Gramacho, colega e amigo que depois namorou e casou com Vitoria (a Vivi das historinhas) e foram felizes para sempre apesar de alguma oposição (sim, existem espíritos de porcos até em redações de jornal).



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A Tribuna nos dava uma certa liberdade de expressão e essa era exercida no mural. Normalmente murais são instrumentos oficiais para ficar comunicados iternos, proibições, tabelas de aniversarios, etc. Pois no nosso dava de tudo: listas, abaixo assinados, gracinhas, comentarios, piadas, concursos de miss e - acho que era o preferido da galera - o de Rainha da Primavera. Só dava Oliveira ou Jolivaldo em primeirissimo lugar porque os concursos geralmente eram unissex: valia viotar em quem quisesse a ambos tinham flairplay suficiente para desfilar. Eram esses momentos "tapinhas", que alem de não doer acabavam agradaveis, que dava animo para os momentos porrada.



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Trabalhar até tarde significava não só - para mim a gloria - a garantia de uma materia assinada e com destaque mas que depois teriamos uma ótima desculpa para ir ao Abaixadinho lavar roupa suja, passar roupa limpa, tomar uma e fazer hora enquanto decidia-se para onde ir. É que lá pelas tantas chegava alguem com recados tipo "eu soube que vai ter uma festa na casa de fulano". E ia todo mundo na cara de pau. Se era verdade, ótimo. Se não, havia sempre um boteco nas imediações. O jornal era pequeno comparado com outras corporações editoriais. Por isso todo mundo se conhecia. As festas eram animadíssimas especialmente as da casa de Aidil, telefonista, que começavam pela manhã e só terminavam altas horas da noite. Mas trabalhavamos muito. O salário não chegava a ser lá essas coisas, a inflação comia tudo. Eram épocas dificeis. Momentos tensos eram mais frequentes do que os relax e uma vez cheguei a fazer uma contagem tregressiva quando um chefe saiu de férias e outro foi substituir.



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Não, eu não sou saudosista. Era uma vida de cão, mas até os cães são felizes e eu tive muitos momentos felizes. Mas é como se eu estivesse vivendo aquilo tudo ao vivo, hoje. Eliana, secretaria, pedindo silêncio enquanto pegava a lista de sepultamentos. Valdemir me dizendo "leia a pauta, olhe que o lead está na pauta". Mara Campos, sempre serena. Roque Mendes e seu excesso de organização de virginiano. Os "Menudos", os diagramadores: Jorge, Geneumir, Vado, Marcos. Esse papo todo é só para contar sobre a comunidade Velha Tribuna da Bahia, que está bombando no Facebook, reunindo muita gente boa. Fundadores como o professor Sergio Mattos, famosos como o deputado Jean Willys, e muito mais. Um ponto de encontro de um jornal que foi escola e inspiração para muita gente e que mesmo com dificuldades continua vivo, graças a Deus.

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