Monday, February 09, 2009

Tela em Branco



Fatima Dannemann©


Aonde mora a inspiração? Tem gente que diz que basta ver alguma coisa interessante e produz um desenho, uma música ou um texto. Não é bem assim. Sentar-se em frente a uma tela vazia de computador e encher de letras como se fosse uma linha de montagem dessas que trabalha no piloto automático? Não é bem assim. Onde mora o assunto? Cadê o tema?

Alguém me diz para lembrar dos amores... ou das dores. Em poesia, até vá lá. Amor rima com dor. Mas, em prosa a coisa muda de figura. E o computador é implacável. Está ali com sua tela aberta, pronto para mostrar as letras trocadas as frases começadas por minúsculas, acentos que faltam, os fatais erros de concordância, as vírgulas que faltam e as que estão sobrando.

Vírgulas, tremas, til, acento agudo. Pequenos detalhes que fazem os perfeccionistas mandarem a inspiração para as cucuias. O negócio é seguir os padrões, usar as palavras corretas. Dar um molho aqui, outro acolá e mostrar que em matéria de vocabulário a pessoa é fera, se bem que muita gente nem desconfiam o significado das palavras que dizem. Inove e verá: vai ter um bocado de gente lhe chamando de doido apenas porque você inventou uma coisa diferente. Excentricidades humanas.

E os parágrafos? Onde começar? Onde acabar? Quantas linhas? Pequeno demais, coisa de criança. Grande demais, coisa de gente prolixa que não sabe mudar de assunto. O médio, que seria o correto para muitos, é tão difícil de alcançar. Mesmo que seja um médio mais flexível, daqueles que aceitam variação ou margem de erros e acertos, para mais ou para menos, um pouco maior.

Diálogos? Comece com travessão e alguem lhe pergunta: porque não botou aspas? Bote aspas e lhe perguntam pelo travessão. Use o discurso indireto e nego diz que está monótono. Coloque um itálico, ao invés de aspas ou travessão e ninguém vai entender o que está passando por sua cabeça. Essa falta de consenso acaba com qualquer inspiração e pode matar um bom diálogo entre seus personagens.

Descrever, narrar, contar histórias, tudo isto acaba sendo bem mais difícil do que sonham muitas pessoas. Culpa dos detalhes. Detalhe demais, fica monótono, detalhe de menos, incompleto. Até mesmo quando o assunto é uma simples reportagem. Tem dez fontes, ouviu nove, tem gente de menos. Se ouvir onze, não precisava tanto. Mas reportagem é outra coisa. Não precisa inspiração, bastam os subsídios.

Se o texto é encomendado, entretanto, menos mal. Pior quando não é. Pode ser uma história, um romance, uma poesia, ou mesmo um e-mail a um amigo. Se a inspiração não bate, o resultado não sai. E vai se protelando tudo até cair no esquecimento. E morre o texto... A tela do computador continuará vazia. Implacavelmente em branco a espera das palavras.

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